15 de Janeiro de 2009
Acerca da RCCI e do anúncio do alargamento da rede, pelo governo em ano de eleições. O Abel Alves do Remisso escreveu algumas palavras que provocaram a minha reflexão que a seguir coloco.

Sendo eu enfermeiro e um interessado nas matérias da saúde em Portugal não poderia deixar de dizer algumas palavras acerca da RCCI.


Em primeiro lugar esta rede não é do Serviço Nacional de Saúde. É uma rede partilhada entre público (SNS) e privado. Com financiamento autónomo do SNS e proveniente do Ministério da Saúde e do Trabalho e Solidariedade Social. Isto poderia até ser irrelevante, todavia vai ser importante para algumas das coisas que vou falar a seguir.


A rede surgiu como uma criação do Ministro Correia de Campos, após algumas reflexões sobre a saúde do tempo do Presidente Jorge Sampaio e que apontavam para a falta de reabilitação e de cuidados de saúde básicos, tal como, o Abel refere e muito bem, serem uma das grandes lacunas das instituições de saúde. Foi uma cópia também dum modelo utilizado na Catalunha. A questão é que se criou um terceiro modelo e sistema de financiamento: há para a saúde o SNS, para os lares e rede de apoio social a segurança social e uma terceira rede, autónoma, que poderemos chamar RCCI. Segundo um estudioso da matéria do envelhecimento e do apoio social, Inácio Martin (Doutor da Universidade de Aveiro) este sistema e a forma como foi feito, com o aumento sucessivo da procura, fruto do tal envelhecimento que o Abel fala, vai conduzir a falência da rede de apoio. Ou seja, apenas falando em política, vemos que esta aposta do governo não é assim tão boa como parece, pois a longo prazo será insustentável.


Mas, como profissional de saúde não me posso dar ao luxo de apenas destruir uma alternativa criada e que penso ser necessária. Contudo, esta não é A alternativa.


Vai ser necessário, neste país mudar o paradigma de saúde se não queremos destruir o SNS, teremos de construir uma rede social de apoio diferente da actual. Os lares neste momento são hospitais de retaguarda e não rede social de apoio. Como tal, será necessária uma profunda reflexão da saúde. Como? Mudando o paradigma dos resultados! Neste momento queremos resultados em número de cirurgias, primeiras consultas, consultas de especialidade, porém esta diferenciação da saúde está a esquecer a saúde básica às populações. Além disso, os lares não podem ser unidades de retaguarda para aqueles que são rejeitados socialmente, visto que não estão fisicamente preparados para tal, quer em recursos humanos, quer em recursos materiais.


Só quando se pensar em retirar os profissionais de saúde dos contextos de internamento de agudos, e se deixar de querer curar a doença é que se conseguirá obter resultados de qualidade de vida das pessoas. Através, de cuidados domiciliários de qualidade, promoção da saúde e prevenção da doença. Assim, aquela que deveria ser a grande aposta do governo está encerrada, a reforma dos Agrupamentos de Centros de Saúde e a Criação das Unidades de Saúde na Comunidade.


Não poderia deixar de dar uma palavra em defesa duma acusação grave que o Abel faz aos profissionais de saúde. Estes por vezes laboram nos limites das suas condições e capacidades e como tal, isso potencia o erro. Trabalhar com 22 doentes numa tarde com 2 enfermeiros que a alguns doentes mal têm tempo de lhe ver a cara é desgastante não só fisicamente como psicologicamente e como tal, os profissionais por mais treinados que estejam falham.


Por último dizer que a base da RCCI é o trabalho dos enfermeiros que ajudam, tal como o Abel diz ser necessário, a reabilitar e a adaptar a pessoa à sua nova condição de saúde, será que se estes são assim tão providos de mau feitio. Não conheço aliás, nenhum profissional de saúde a excepção do enfermeiro que ensine um doente a transferir-se da cama para a cadeira após um AVC, a tomar banho após um AVC, a perceber o porquê de tomar um medicamento a determinada hora e que consequências pode ter da toma e da não toma desse medicamento. Muitas vezes não o fazem, porque os próprios resultados da saúde esperam outras coisas mais visíveis dos enfermeiros, e que tragam resultados imediatos e não ao longo prazo.


A RCCI é uma boa inovação e que dá alguma ajuda ao sistema, contudo tem de funcionar correctamente para que efectivamente seja feita reabilitação e para que estas não se tornem apenas um hospital de retaguarda, em que nada se faz de diferente dum hospital, por falta de recursos humanos. O paliativo não pode ser apenas um local diferente do que se quer remendar.

publicado por Luís Caldas às 15:00

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